Brasil é o Terceiro País que Mais Gasta com Diabetes no Mundo

Em 2019, as despesas globais diretas com saúde relacionadas com o diabetes somaram 760 bilhões de dólares. E, de acordo com um artigo publicado em fevereiro deste ano no periódico Diabetes Res Clin Pract,[1] analisando dados da 9ª edição do Atlas da International Diabetes Federation (IDF), [2] a expectativa é que esse valor suba para 825 bilhões de dólares em 2030, e 845 dólares em 2045.

Os Estados Unidos lideram o ranking, com gastos estimados em 294,6 bilhões de dólares, na sequência aparece a China, com 109 bilhões de dólares, e o Brasil, com 52,3 bilhões de dólares.

A Dra. Hermelinda Pedrosa, médica endocrinologista e membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), falou ao Medscape sobre o assunto.

O Atlas da IDF focou nos custos médicos diretos atribuíveis ao diabetes, o que representa os recursos usados no tratamento da doença e das complicações e comorbidades relacionadas. Isso significa que foram consideradas: despesas com atendimento hospitalar, ambulatorial médico, serviço de emergência, assistência domiciliar de enfermagem, cuidados paliativos, reabilitação, atendimento de especialistas e outros profissionais de saúde, exames diagnósticos, medicamentos prescritos e suprimentos médicos.

Usando como base as estimativas de prevalência do diabetes, os dados populacionais das Nações Unidas e os gastos em saúde per capita da Organização Mundial da Saúde (OMS), os pesquisadores da IDF identificaram que em 2019 as despesas diretas com a doença subiram 4,5% em relação a 2017.

Para a Dra. Hermelinda, o aumento dos custos não surpreende, uma vez que o número de casos tem sido impactante ao longo dos anos. Ela observou que, de acordo o Atlas do IDF, as projeções globais apontam 51% de incremento entre 2019 e 2045, ou seja, o número de pessoas entre 20 e 79 anos de idade diagnosticadas com diabetes em todo o mundo passará de 463 milhões para 700 milhões.

“Quando as projeções são avaliadas por área, é notória a diferença entre as pessoas de alta e baixa rendas: África, com 143% (19 para 47 milhões); Oriente Médio e norte da África, 96% (55 para 108 milhões); Sudeste da Ásia, 74% (88 para 153 milhões); Américas do Sul e Central, 55% (32 para 49 milhões). Em contrapartida, a Europa aumentará 15% (59 para 68 milhões), a região do Pacífico Ocidental, 31% (163 para 212 milhões) e América do Norte e Caribe, 33% (48 para 63 milhões)”, destacou.

A pesquisa da IDF aponta que em 2019 as despesas em saúde relacionadas com o diabetes foram maiores entre pessoas de 60 a 69 anos de idade (177,7 bilhões de dólares), seguido pela faixa de 50 a 59 anos (173 bilhões de dólares) e de 70 a 79 anos (171,5 bilhões de dólares). Para 2030 e 2045, as projeções indicam que os gastos da faixa de 70 a 79 anos vão superar os das demais.

O envelhecimento populacional é um fator que, segundo a Dra. Hermelinda, merece atenção. Esse processo é claro em vários países, mas nem todos seguiram melhorando o padrão de vida, tal como ocorreu nas nações mais ricas. A China e o Brasil, por exemplo, que estão no ranking dos países com maior número de pessoas com diabetes (1º e 5º lugares, respectivamente) se enquadram, segundo a médica, no grupo que não obteve melhora no padrão de vida. Com isso, as pessoas mais idosas apresentam mais problemas de saúde, limitações e comorbidades, o que resulta em maior gasto.

As diferenças entre países de rendas alta, média ou baixa aparecem também nos gastos em saúde. Os resultados da IDF revelam que as despesas totais em saúde em países de alta renda superaram as despesas dos países de baixa renda em mais de 400 vezes. Em 2019, as despesas em saúde relacionadas com o diabetes na América do Norte, Caribe, Pacífico Ocidental e Europa somadas representaram 85% do total global de gastos. Por outro lado, gastos da África, América do Sul e Central e do Sudeste da Ásia – que abrigam 41,8% dos casos de diabetes no mundo – representaram apenas 14,8% dos gastos totais.

Segundo a médica da SBEM, alguns pontos podem explicar essa disparidade entre as regiões com rendas distintas. É o caso, por exemplo, da melhor organização de serviços públicos e assistenciais, que, de acordo com a Dra. Hermelinda, ocorre sobretudo nos países europeus e Canadá; mais investimento em pesquisa, especialmente nos Estados Unidos; ampla dispensação de medicamentos, inclusive de fármacos desenvolvidos e disponíveis nos últimos 10 anos, que são mais caros.

“Além disso, custos com complicações da doença, como doença renal e pé diabético, seguem aumentando, e com efeitos importantes pela necessidade de tratamento dialítico e internações prolongadas resultantes da baixa resolutividade diante da associação de úlceras neuro-isquêmicas (associação de neuropatia e doença arterial periférica), além de outras como as doenças cardiovasculares”, afirmou.

A Suíça é o país com mais despesas anuais relacionadas com o diabetes por pessoa (11.916 dólares), seguida pelos Estados Unidos (9.506 dólares). Apesar de ficar em terceiro lugar no ranking de gastos totais, o Brasil não aparece na relação dos 10 países com mais gastos per capita.

Para a médica, o fato de o Brasil aparecer entre os países com mais gastos totais se deve provavelmente ao seu elevado tamanho populacional e ao número de casos de diabetes. Segundo dados da IDF, em 2019 o país possuía 16,8 milhões de pessoas com a doença.

“No entanto, a qualidade requer reavaliação em que pese os avanços ocorridos no Sistema Único de Saúde (SUS), como o Programa de Farmácia Popular; diminuição de internações por diabetes, segundo o VIGITEL – Vigilância de Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico; dispensação obtida recentemente de insulinas análogas de ação rápida (enquanto se aguarda a de insulina análoga de ação prolongada). Porém, os medicamentos disponíveis para tratar diabetes tipo 2 estão defasados há mais de 40 anos, e se espera a disponibilidade futura de inibidores do cotransportador 2 de sódio-glicose (SGLT2, sigla do inglês, Sodium-Glucose Cotransporter-2) – uma vitória da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) em 2018, juntamente com a Associação Nacional de Assistência ao Diabético/Federação Nacional das Associações e Entidades de Diabetes (ANAD-FENAD), Associação de Diabetes Juvenil – Diabetes Brasil (ADJ) e SBEM”, afirmou a especialista.

Ela acrescentou que há necessidade de organizar melhor o SUS a partir de maior integração entre a atenção básica e as de média e alta complexidades, o que pode resultar em ações mais efetivas de prevenção e redução da inércia terapêutica através da educação dos profissionais de saúde.

“Os dados de controle pela hemoglobina glicada mostram números preocupantes, além de pior condição entre as classes mais baixas e as regiões Norte e Nordeste, portanto, uma participação mais efetiva das sociedades científicas, com os gestores em todas as linhas (municipal, estadual e federal), pode contribuir para transformar a vida das pessoas com diabetes no Brasil”, defendeu.

Fonte: Medscape – 17 de abril de 2020 – Por: Teresa Santos (colaborou Dra. Ilana Polistchuck)