A busca incessante pela saúde, em vez de trazer saúde perfeita, vem trazendo doenças. A primeira é a emocional, uma postura obsessiva na busca de saber tudo o que vai acontecer, como se fosse capaz de controlar a vida.” O homem precisa aprender a viver a vida como ela é “ – Marcos Aguiar, coordenador do Serviço de Genética do Hospital das Clínicas
Até que ponto a obsessão pela saúde perfeita leva à saúde perfeita? Veja o que dizem os especialistas
Cada vez mais as pessoas se preocupam com a saúde. A busca por corpo e mente saudáveis ganha aliados poderosos com o avanço da tecnologia e já é possível cuidar do ser humano desde quando se é um bebê na barriga (pensando também na fertilização in vitro e na seleção dos embriões) até a velhice. O número de exames, máquinas avançadas, precisão de resultados aliados à mudança de mentalidade com a preocupação e a busca por alimentação adequada e atividade física não são garantias, mas grandes passos na prevenção de doenças. Mas será que toda essa aparelhagem de última geração e a nova consciência são suficientes para garantir uma vida com saúde, uma busca incansável nos dias atuais?
Marcos Aguiar, professor de pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenador do Serviço de Genética do Hospital das Clínicas, enfatiza que a pergunta a ser feita é: “Até que ponto a obsessão pela saúde perfeita leva à saúde perfeita?”. Com autoridade, ele garante que a melhor coisa é procurar ser feliz. “Isso é extremamente importante, porque a busca incessante da saúde, em vez de trazer saúde perfeita, vem trazendo doenças. A primeira é a emocional, uma postura obsessiva na busca de saber tudo o que vai acontecer, como se fosse capaz de controlar a vida. O homem precisa aprender a viver a vida como ela é. A obsessão pela saúde leva a gastos excessivos de dinheiro das pessoas, do governo e, mais do que isso, cria doenças iatrogênicas (aquelas produzidas pelo médico ou sistema de saúde). Também é preciso lembrar que todo remédio tem efeitos colaterais e o seu uso prolongado pode trazer consequências nocivas à saúde.”
O médico diz que está estabelecido na literatura que há doenças overdiagnosed, ou seja, diagnosticadas em excesso. Para Marcos Aguiar, tal atitude “favorece uma medicalização da vida. E isso é complexo até porque o diagnóstico da maioria das doenças deve ser clínico, ou seja, ter sintoma, apontar um problema a resolver e a pessoa, aí sim, procura um médico”.
Para o pediatra geneticista, exame sem necessidade “descobre coisas não necessariamente com significado clínico”. Marcos Aguiar deixa bem claro que “não é que eu seja contra a saúde preventiva, desde que seja para pesquisar coisas muito bem estabelecidas”. Quanto à busca da saúde nas diversas fases da vida, Marcos Aguiar indica procurar o médico especialista. “No caso do pré-natal, o obstetra vai solicitar os exames adequados. Já na infância e adolescência é preciso ter um pediatra e vacinar. Na adolescência e adulto, ter acompanhamento de um clínico e reforçar a vacinação. No caso das meninas, tomar a vacina do HPV. E o idoso ir ao geriatra. São esses profissionais que avaliam a necessidade de fazer exames.”
Marcos Aguiar destaca que o excesso de exames para buscar a saúde perfeita está equivocado. “Estamos vivendo na medicina do protocolo, onde a relação médico-paciente desapareceu. Devemos ter uma atitude mais simples diante da saúde e da vida em vez de ficar querendo ter mais saúde do que o outro.” O fundamental para a saúde todos já sabem, e ele enumera mais uma vez: “Alimentação saudável, evitar gordura e sal, praticar atividade física, ter exposição razoável ao sol, não fumar e beber com moderação”.
OCTOGENÁRIO
Para o geriatra Flávio Chaimowicz, professor-associado do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG, com pós-doutorado em educação médica no Institute of Medical Education Research da Erasmus University de Rotterdam, na Holanda, a pergunta a ser feita não é “como ser um adulto com saúde”, mas “como se cuidar durante a vida adulta para se tornar um octogenário saudável”. Hoje, apenas 1% da população brasileira tem 80 anos ou mais, mas esse número deverá quintuplicar até 2050. Para ele, é preciso ter em mente quais são os problemas pelos quais as pessoas adoecem e morrem no Brasil. “E, a partir daí, utilizar métodos comprovados para tratar, detectar precocemente ou mesmo prevenir essas doenças.”
Como exemplos, Flávio explica que o câncer de intestino é uma importante causa de morte no Brasil, mas se descoberto precocemente pode ser removido sem a necessidade de cirurgia ou quimioterapia. A osteoporose, grande vilã das fraturas do quadril em idosos, pode ser revertida pela utilização de medicamentos, detectada precocemente por meio de exames simples e mesmo prevenida durante a vida adulta. Com relação às doenças neuropsiquiátricas comuns em idosos, como Alzheimer e demência vascular, atualmente sabe-se que são altamente suscetíveis à prevenção; o diagnóstico precoce, do mesmo modo, possibilita intervenções que trazem grande repercussão na qualidade de vida dos pacientes e de suas famílias.
Flávio ressalta a importância da consulta periódica de adultos para a manutenção da saúde. Exames complementares também são fundamentais, e a medicina tem se beneficiado com avanços tecnológicos que aumentaram sua acurácia e reduziram suas limitações. Flávio explica que exames de imagem não invasivos conseguem detectar calcificações das coronárias e ajudam a estimar o risco cardiovascular; a colonoscopia virtual pode ser realizada em idosos debilitados que não tolerariam o exame tradicional; a densitometria óssea do antebraço é capaz de diagnosticar osteoporose mesmo em pacientes com osteoartrose, que prejudica a interpretação dos exames tradicionais da coluna lombar e fêmur. Mas o geriatra lembra que apenas uma pequena parcela dos brasileiros consegue realizar com a regularidade necessária exames básicos como a mamografia, Papanicolaou, colonoscopia e densitometria óssea. “É preciso democratizar o acesso aos exames de prevenção e detecção precoce de doenças.”
Flávio Chaimowicz alerta para o perigo dos excessos: “A maioria dos brasileiros vem adotando um estilo de vida sedentário, com dieta hipercalórica, pouca atividade física e ganho de peso. Por outro lado, há aqueles excessivamente preocupados com a saúde e que terminam nas mãos de profissionais que oferecem tratamentos e dietas milagrosos. Essa desregulação não ocorre na França, Holanda, Noruega, Japão…”.
Fonte: Saúde Plena – por Lilian Monteiro – Estado de Minas Publicação:05/12/2015