Milhões de adultos tomam ácido acetilsalicílico (AAS) diariamente sem recomendação ou prescrição dos seus médicos, o que provavelmente aumenta o risco de hemorragia importante, sugere uma análise de um estudo de coorte norte-americano.
Os resultados da análise sugerem que quase um quarto dos adultos a partir dos 40 anos sem doença cardiovascular (23,4% na pesquisa do estudo) tomam ácido acetilsalicílico todos os dias como prevenção primária. São cerca de 29 milhões de pessoas em todos os Estados Unidos, observaram os pesquisadores.
Deste grupo, 23% usam o medicamento sem recomendação médica, o que corresponde a cerca de 6,6 milhões de adultos, segundo o estudo. Quase a metade da população com pelo menos 70 anos de idade na pesquisa (44,6%) estava tomando ácido acetilsalicílico para prevenção primária de doença cardiovascular.
Ter história de úlcera péptica não pareceu impedir que as pessoas tomassem o medicamento regularmente; isso não foi um preditor de menos uso de AAS.
“Este é um grande problema”, disse ao Medscape a autora sênior, Dra. Christina Wee, Ph.D., médica do Beth Israel Deaconess Medical Center, em Boston.
Mas isso não é de todo surpreendente, disse a médica, “porque muitas pessoas se informam sobre saúde com seus familiares, amigos ou pela internet. E, até mesmo os médicos, até bem pouco tempo não desestimulavam o uso do ácido acetilsalicílico e podem ter ficado em cima do muro quanto a isso”.
Os achados são baseados nos dados do National Health Interview Survey (NHIS) de 2017 feito com 14.328 adultos (média de idade de 57,5 anos; 54% mulheres; 33% não-brancos).
A análise foi publicada em 22 de julho no periódico Annals of Internal Medicine. O primeiro autor é o Dr. Colin W. O’Brien, médico da Harvard Medical School, em Boston.A pesquisa questionou se os entrevistados estavam tomando uma “dose baixa” de ácido acetilsalicílico, sem especificar o que isso significava.
“Minha pergunta é se todas as pessoas que tomam ácido acetilsalicílico estão realmente cientes dos riscos e dos benefícios conhecidos”, disse ao Medscape o pesquisador Dr. Harlan Krumholz, médico da Yale School of Medicine, em New Haven, nos EUA.
“Precisamos fazer com que seja mais simples as pessoas tomarem as melhores decisões para elas mesmas. É provável que muitas dessas pessoas, se fossem bem instruídas, tomariam uma decisão diferente”, acrescentou o Dr. Harlan, que não participou do estudo.No ano passado, como apontado no relatório, os resultados de três importantes ensaios clínicos de prevenção primária alteraram a percepção sobre o benefício cardiovascular extraído do tratamento com o AAS e do risco de hemorragia associado ao uso deste medicamento. Os resultados dos ensaios clínicos foram revelados após a coleta dos dados do NHIS.
O benefício do ácido acetilsalicílico no risco de eventos vasculares graves no ensaio clínico ASCEND não superou o aumento do risco de hemorragia grave nos pacientes diabéticos, conforme publicado anteriormente.
No ensaio clínico ARRIVE não houve diferença dos eventos cérebro ou cardiovasculares entre os pacientes sem diabetes com outros fatores de risco cardiovascular mas sem história de eventos que estavam tomando ácido acetilsalicílico preventivamente e entre os pacientes que não estavam.
O ensaio clínico ASPREE mostrou aumento do número de mortes por todas as causas sem alteração do número de mortes por causa cardiovascular nas pessoas fora dos hospitais com 70 anos ou mais que foram designadas para tomar AAS.Em grande parte por causa dos três ensaios clínicos, a American Heart Association e o American College of Cardiology (AHA/ACC) publicaram em março recomendações atualizadas sobre o uso do ácido acetilsalicílico. Ambos não recomendam o uso regular do ácido acetilsalicílico por pessoas com mais de 70 anos ou com aumento do risco de hemorragia.
Deve-se considerar o uso regular do ácido acetilsalicílico em adultos com 40 a 70 anos de idade com alto risco de doença cardiovascular, sem aumento do risco de hemorragia, afirmam.
“As pessoas podem achar que por ser um medicamento de venda livre, e por ter sido chamado de ‘a droga maravilhosa’ por 30 anos, ele é bastante seguro”, disse ao Medscape a Dra. Susan Smyth, Ph.D..
“Agora temos de nos esforçar para divulgar a ideia de consultar o médico antes de começar a tomar ácido acetilsalicílico”, disse a Dra. Susan, do Gill Heart and Vascular Institute, da University of Kentucky, em Lexington, que não participou da análise em questão.
“Como médicos, somos razoavelmente bons em implementar as recomendações terapêuticas das diretrizes quando sabemos que algo funciona. Mas não somos muito bons em suspender um tratamento quando descobrimos que ele talvez não funcione tão bem. Suspender é muito mais difícil”, disse ela.
No entanto, continuou, é igualmente importante lembrar que, para os pacientes de alto risco e para os com doença coronariana diagnosticada, o AAS continua sendo um componente-chave para reduzir o risco de primeiro ou segundo infarto agudo do miocárdio (IAM) ou acidente vascular cerebral (AVC).
A Dra. Christina informou não ter conflitos de interesses relevantes; as informações sobre os outros autores constam no estudo. A Dra. Susan informou não ter relações financeiras relevantes. O Dr. Harlan informou receber contribuições da UnitedHealth, IBM Watson Health, Element Science, Aetna, Arnold & Porter, Ben C Martin Law Firm e do Facebook, além de doações dos Centers for Medicare and Medicaid Services, Medtronic, Johnson & Johnson e US Food and Drug Administration; e informou ainda ter sido fundador da Hugo, plataforma pessoal de informações de saúde.
Fonte: Medscape , Por: Megan Brooks, 6 de agosto de 2019