O Que Todos Precisam Saber Sobre Vacinação e Diabetes

O Que Todos Precisam Saber Sobre Vacinação e Diabetes

As doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) são a principal causa de morbidade e mortalidade no mundo. Diabetes mellitus (DM), doenças cardiovasculares (DCV), infarto e acidente vascular cerebral (AVC), câncer e doenças respiratórias são as mais frequentes,(1) contribuindo para 80% das mortes no Brasil.(2)

O caráter epidêmico global do DM é crescente: segundo o Atlas IDF 2017, da International Diabetes Federation, a tendência é que o número de 425 milhões de pessoas com a doença, naquele ano, passe para 629 milhões de indivíduos entre 20 e 79 anos, em 2045.(3)

O Brasil ocupa o quarto lugar no ranking dos países com maior população com DM – precedido de China, Índia e Estados Unidos –, com mais de 12 milhões de pessoas (8,1% da população entre 20 e 79 anos), sendo que 46% delas não sabem que têm a doença. A mortalidade estimada supera 108.000/ano e 41% ocorrem abaixo dos 60 anos, com custo individual de US$ 1,405.(3)

Dados nacionais recentes indicam que complicações do DM, incluindo a hospitalização, respondem por significativa parte dos custos médicos diretos: 4,6% dos casos entre adultos, com base no levantamento das internações no Sistema Único de Saúde (SUS) entre a população geral em 2014.(4) O custo foi de US$ 264,9 milhões (valor unitário 19% maior do que para indivíduos sem a doença). Verificou-se ainda maior proporção para DCV (47,9%), seguida de complicações microvasculares (oftalmológicas, doença renal, neuropatias e amputações, 25,4%) e DM per se (18,1%). As infecções de trato respiratório (ITR) e urinário (ITU) representaram 6,5% – 96,5% decorrentes de pneumonias, sendo 69,9% por organismo não especificado.(5)

Com relação aos números de pneumonia, a Organização Mundial da Saúde (OMS) relata que a doença é um das causas de morte mais passíveis de prevenção. Um estudo prospectivo holandês, com indivíduos com DM tipos 1 (DM1) e 2 (DM2), mostrou um risco médio aumentado de 30 e 40% para ITR, ITU, pele e mucosas em relação àqueles sem DM e com hipertensão arterial.(6) No entanto, a vacinação para essa população, sabidamente mais vulnerável, ainda é baixa.(7)

Vulnerabilidade de Pessoas com Diabetes ao Processo Infeccioso

Vários mecanismos explicam porque, diante de glicemia descompensada (acima de 200 mg/dL), as respostas imunológicas inatas são alteradas:(6,7)

Outros fatores afetam a imunidade adquirida:(6,7)

  • Resposta celular proliferativa dos linfócitos CD4 a antígenos proteicos;
  • Possível interferência da glicação proteica de IgG, proporcional à elevação da HbA1c, na função de anticorpos produzidos por exposição natural a antígenos ou à vacinação.

Em decorrência, surgiram questionamentos acerca de vacinação em pacientes com mau controle glicêmico, porém, sem respaldo clínico para contraindicação formal.(8)

As vacinas pneumocócicas – em particular as conjugadas – representaram um avanço relevante na prevenção. No âmbito da infeção pneumocócica em pessoas com DCNT, como o DM, esta vacinação é uma importante medida preventiva, contudo, a cobertura vacinal é ainda baixa. Logo, é essencial o papel das sociedades médicas e das autoridades de saúde no delineamento de estratégias que visem à imunização mais abrangente deste grupo,(8) sendo fundamental o acompanhamento adequado e holístico.

Abordagem individualizada para controle, terapia e seguimento da pessoa com DM

As Diretrizes 2017-2018 da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), disponíveis em seu site, trazem informações para rastreamento, diagnóstico, seleção de terapias orais e injetáveis, alinhadas à individualização das metas terapêuticas pela faixa etária e para alteração ou manutenção da terapia segundo a condição clínica, dados laboratoriais e variabilidade glicêmica (Tabela 1).(9)

Tabela 1. Metas laboratoriais para o controle do DM2, segundo as Diretrizes 2017-2018, SBD.(9)

Parâmetro Metas laboratoriais
Metas terapêuticas Níveis toleráveis
Hemoglobina glicada
  • Ao redor de 7% em adultos.
  • Entre 7,5% e 8,5% em idosos, dependendo do estado de saúde.
As metas devem ser individualizadas de acordo com:

  • duração do diabetes
  • idade/expectativa de vida
  • comorbidades
  • doença cardiovascular
  • complicações microvasculares
  • hipoglicemia não percebida
Glicemia de jejum
Glicemia pré-prandial
Glicemia pós-prandial
<100 mg/dL
<100 mg/dL
<160 mg/dL
<130 mg/dL
<130 mg/dL
<180 mg/dL

A individualização da terapia é ratificada por outras instituições.(10) Além disso, recente posicionamento da American Diabetes Association (ADA) e da European Association for the Study of Diabetes (EASD)(11) também enfatizam a importância de prevenir ou retardar as complicações para se manter a qualidade de vida, o que deve ser feito pelo manuseio da glicemia e do risco cardiovascular; engajamento do paciente por meio do apoio à educação para o autocuidado (Diabetes self-management education and support, DMSES); e pela redução do peso, medidas que devem nortear a escolha da terapia.(12)

Na assistência, o médico deve priorizar a avaliação clínica seguindo a disponibilidade de recursos e de tempo, tendo em mente a provisão de informação à equipe de saúde para um apoio ótimo ao paciente. Isso inclui verificar DMSES, alimentação, aspectos psicossociais e orientar também sobre imunizações, o que nem sempre é priorizado (Tabela 2)

Tabela 2. Recomendações de vacinação com base em evidências

Recomendação Grau de evidência
Vacinação rotineira em crianças e adultos com Diabetes C
Vacinação anual contra influenza para todas as pessoas ≥6 meses de idade, inclusive com diagnóstico de diabetes C
Vacinação com 23-valente (VPP23) para as faixas de dois a 65 anos ou mais, independentemente do histórico de vacinação prévia C
Vacinação para hepatite B (esquema de 3 doses) de todos os adultos com Diabetes não vacinados, a partir dos 19 anos C

Nota: A Vacinação contra a febre amarela está contemplada na 1ª Nota Técnica da SBD de 2018.(13)

Indivíduos em tratamento com agentes retrovirais devem receber especial atenção, diante do risco de disglicemia (pré-diabetes) ou Diabetes. A prevalência supera 5% dos pacientes infectados com HIV e 15% podem ter pré-DM.(14) Essas pessoas devem ser rastreadas com glicemia de jejum a cada 6, 12 meses antes e após o início do tratamento, e ao modificar o tipo de agente antiretroviral. A glicemia deve ser repetida anualmente. O uso de hemoglobina glicada (HbA1c) não é recomendado para o diagnóstico nem para auxiliar no acompanhamento do controle.

Alimentação equilibrada e redução do peso reduzem a progressão para Diabetes entre aqueles com pré-DM. Quando o diagnóstico da doença já está confirmado, a abordagem deve ser semelhante para pacientes sem HIV, visando reduzir os riscos de complicações micro e macrovasculares. Se há hiperglicemia com uso de antirretrovirais, pode ser necessário descontinuar a terapia e, antes de efetuá-la, deve-se considerar o efeito no controle da carga viral e os efeitos adversos do medicamento a ser usado.(15)


Referências

  1. World Health Organization (WHO). Global status report on noncommunicable diseases 2014.
    World Health Organization: Geneva, Switzerland, 2015.
  2. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise de Situação de Saúde. Plano de ações estratégicas para o enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) no Brasil 2011-2022. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde: Brasília, 2011.
  3. International Diabetes Federation. IDF Diabetes. 8 ed. Atlas. Belgium, 2017. [Acesso em 31 ago 2018]. Disponível em: http://www.idf.org.
  4. Brasil. Ministério da Saúde. Datasus. Sistema Nacional de Informação de Hospitalização (SIHSUS). [Acesso em 08 out 2018]. Disponível em:http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=0901&item=1&acao=25
  5. Rosa MQM, dos Santos Rosa R, Correia MG, Araujo DV, Bahia LR, Toscano CM. Disease and economic burden of hospitalizations attributable to diabetes mellitus and its complications: a nationwide study in Brazil. Int J Environ Res Public Health 2018; 15:294 doi:10.3390/ijerph15020294
  6. Muller LM, Gorter KJ, Hak E, Goudzwaard WL, Schellevis FG, Hoepelman AI, et al. Increased risk of common infections in patients with type 1 and type 2 diabetes mellitus. Clin Infect Dis. 2005;41:281-8.
  7. Casqueiro J, Alves C. Infections in patients with diabetes mellitus: a review of pathogenesis. Indian J Endocrinol Metab. 2012;16 Suppl 1:S27-36.
  8. Marquesa SC, Maiab A, Veloso L. A importância da vacinação dos adultos com diabetes tipo 2 na prevenção da doença invasiva pneumocócica. Rev Port Endocrinol Diabetes Metab. 2016;11(1):60-8.
  9. Sociedade Brasileira de Diabetes. Diretrizes SBD 2017-2018. [Acesso em 20 ago 2018]. Disponível em: https://www.diabetes.org.br/profissionais/publicacoes/diretrizes-eposicionamentos-1.
  10. Garber AJ, Abrahamson MJ, Barzilay JI, Blonde L, Bloomgarden ZT, et al. AACE/ACE comprehensive type 2 diabetes management algorithm 2018. Endocr Pract. 2018. doi:10.4158/CS-2017-0153.
  11. Davies MJ, D’Alessio DA, Fradkin J, Kernan WN, Mathieu C, et al. Management of hyperglycemia in type 2 diabetes, 2018. A consensus report by the American Diabetes Association (ADA) and the European Association for the Study of Diabetes (EASD). Diabetes Carem 2018; dci180033. doi: 10.2337/dci18-0033.
  12. Rodriguez-Gutierrez R, Gionfriddo MR, Ospina NS, et al. Shared decision making in endocrinology: present and future directions. Lancet Diabetes Endocrinol 2016;4:706-16
  13. Sociedade Brasileira de Diabetes. Nota Técnica 01/2018. [Acesso em 08 out 2018]. Disponível em: https://www.diabetes.org.br/publico/ultimas/1604-vacinacao-contrafebre-amarela-em-pacientes-com-diabetes.
  14. Monroe AK, GlesbyMJ, Brown TT. Diagnosing and managing diabetes in HIV-infected patients: current concepts. Clin Infect Dis 2015;60:453-62.
  15. American Diabetes Association. Comprehensive medical evaluation and assessment of comorbidities: standards of medical care in diabetes 2018. Diabetes Care 2018;41(Suppl. 1):S28-S37 doi.org/10.2337/dc18-S003.

Fonte: Portal da Sociedade Brasileira de Diabetes, 25 de maio de 2019.

Autora: Dra. Hermelinda C. Pedrosa

  • Presidente – Departamento de Diabetes – SBEM 2019-2020
  • Endocrinologista
  • Presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes – 2018-2019
  • Vice-President – Worldwide Initiatives for Diabetes Education
  • Advisory Board – Diabetic Foot International – Brazil
  • Coordenadora-Polo de Pesquisa-FEPECS|Unidade de Endocrinologia-HRT SES-DF