Proposta de uma Classificação da Obesidade com Base no Histórico de Peso

Proposta de uma Classificação da Obesidade com Base no Histórico de Peso

Documento Oficial da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabolismo (SBEM) e da Sociedade Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (ABESO)

Resumo:

A obesidade é uma doença crônica associada ao comprometimento da saúde física e mental. Uma visão generalizada no tratamento da obesidade é que o objetivo é normalizar o índice de massa corporal (IMC) do indivíduo. No entanto, uma perda de peso modesta (geralmente acima de 5%) já está associada à melhora clínica, enquanto as perdas de peso de 10% a 15% trazem ainda mais benefícios, independentemente do IMC final.

O percentual de redução de peso é aceito como meta de tratamento, uma vez que uma maior diminuição de peso é frequentemente difícil de alcançar devido à adaptação metabólica, juntamente com fatores ambientais e de estilo de vida.

Neste documento, a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabolismo (SBEM) e a Sociedade Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (ABESO) propõem uma nova classificação de obesidade com base no peso máximo alcançado na vida (MWAL).

Nesta classificação, os indivíduos que perdem uma proporção específica de peso são classificados como tendo obesidade “reduzida” ou “controlada”.

Essa classificação simples – que não se destina a substituir outras, mas servir como uma ferramenta adjuvante – poderia ajudar a disseminar o conceito de benefícios clínicos derivados da modesta perda de peso, permitindo que indivíduos com obesidade e seus profissionais de saúde se concentrem em estratégias de manutenção de peso em vez de maior redução de peso.

Em estudos futuros, essa classificação proposta também pode ser uma ferramenta importante para avaliar possíveis diferenças nos resultados terapêuticos entre indivíduos com IMCs semelhantes, mas diferentes trajetórias de peso.

INTRODUÇÃO:

A obesidade é uma doença crônica e recorrente associada a diversas complicações, que por sua vez causam e agravam outras doenças agudas e crônicas e reduzem a expectativa de vida.

Embora altamente estigmatizada e percebida por muitos como uma “escolha de estilo de vida” facilmente tratável por mudanças de comportamento, a obesidade está associada a taxas consideravelmente altas de falha no tratamento e a um curso progressivo ao longo da vida.

A obesidade tem uma fisiopatologia complexa, na qual as tentativas de perder peso são contrabalançadas pela redução do gasto energético e aumento da fome e desejo de comer mediados pelo hipotálamo e tronco encefálico, levando ao reganho de peso.

A observação desses mecanismos levou à hipótese de que o corpo deve defender um “set point” de peso.

Apesar de muitas lacunas de conhecimento sobre como esse ponto de ajuste muda para cima ao longo da vida e se o ponto de ajuste seria mais um intervalo do que um valor fixo, evidências clínicas sugerem que as tentativas de perder peso geralmente são contrabalançadas por uma tendência à recuperação do peso após uma intervenção para perda de peso.

Além disso, não há evidências de que esse ponto de ajuste seja redefinido para baixo; em vez disso, a literatura disponível mostra que a adaptação metabólica permanece a mesma ou diminui a longo prazo.

A “resolução” da obesidade raramente é alcançada com tratamento clínico. De fato, um número substancial de estudos mostrou claramente que a perda de peso clinicamente alcançável reduz os riscos à saúde independentemente do peso final.

Várias diretrizes em todo o mundo recomendam uma perda de peso de 5% a 10%, mas nenhuma diretriz, até onde sabemos, se propôs a identificar e classificar indivíduos que perderam peso no passado e conseguiram manter a perda.

Esta é uma questão crítica, considerando que os clínicos geralmente recomendam uma maior perda de peso (muitas vezes clinicamente difícil de alcançar) para indivíduos que permanecem com aumento do IMC após a perda de peso.

Esses indivíduos são considerados de “alto risco” pelas operadoras de planos de saúde, percebem-se como de risco aumentado para diversas doenças e não focam na manutenção do peso, aumentando as chances de reganho de peso e dieta ioiô.

Neste documento, a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabolismo (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia – SBEM) e a Associação Brasileira de Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica – ABESO propõem uma classificação para obesidade usando o peso máximo alcançado na vida (MWAL, ou peso mais alto de todos os tempos) e a porcentagem de perda de peso alcançada para orientar o manejo clínico e as decisões individuais.

Esse conceito também pode ser útil em ensaios clínicos, uma vez que indivíduos com obesidade com diferentes trajetórias de peso podem ter desfechos diferentes.

Essa classificação proposta também pode ajudar a disseminar ainda mais o conceito simples, mas subestimado, dos benefícios à saúde da perda de peso clinicamente alcançável e destacar a importância de obter um histórico preciso da trajetória do peso do indivíduo durante a avaliação e manejo da obesidade e distúrbios relacionados.

É importante ressaltar que o objetivo desta classificação proposta não é substituir classificações tradicionais e consolidadas, mas sim ser uma ferramenta adjuvante para orientar o tratamento clínico e auxiliar na interpretação dos achados de pesquisas clínicas e intervenções no campo da obesidade.

Essa classificação pode ser melhorada no futuro e validada em estudos observacionais e de intervenção.

Uma vez publicada, esta classificação será testada em diferentes cenários clínicos para avaliar sua utilidade antes de seu uso generalizado.

• Classificações da obesidade

A obesidade, reconhecida por diversas entidades como uma doença crônica e progressiva, foi definida pela Organização Mundial da Saúde como um “acúmulo excessivo de gordura que prejudica a saúde”.

O excesso de acúmulo de gordura como conceito parece simples, mas sua definição não é direta.

O IMC, calculado como peso dividido pela altura ao quadrado, é a ferramenta mais comum e aceita para diagnosticar sobrepeso ou obesidade, mas possui várias ressalvas e grande variabilidade de risco interindividual.

Embora útil para dados epidemiológicos, o IMC muitas vezes não consegue determinar os riscos do indivíduo em um ambiente clínico.

Diferenças na composição corporal (massa gorda e massa magra) e distribuição de gordura são alguns dos fatores que reduzem a acurácia diagnóstica do IMC na avaliação dos riscos à saúde em níveis individuais.

A circunferência da cintura (CC) tem sido proposta como ferramenta complementar para avaliação dos riscos associados à obesidade, e sua importância como marcador de saúde cardiometabólica independente do IMC tem sido demonstrada em diversos estudos.

A CC aumentada é um marcador inegavelmente excelente do estado cardiometabólico em indivíduos com peso normal ou com sobrepeso, mas em indivíduos com IMC mais elevado, as medidas de CC são menos úteis para identificar se o excesso de gordura ocorre predominantemente por gordura abdominal subcutânea ou visceral.

A alta variabilidade interindividual e intraindividual na medida da CC é outra limitação dessa ferramenta.

Outros meios disponíveis para avaliar a composição e distribuição corporal que podem ser úteis na prática clínica ou pesquisa incluem análise de bioimpedância, absorciometria de raios X de dupla energia e tomografia computadorizada, embora essas ferramentas raramente sejam usadas para diagnóstico ou tratamento da obesidade.

Considerando a natureza pandêmica da obesidade e o fato de o IMC não ser um bom preditor do estado de saúde do indivíduo, a estratégia de definir uma subclassificação para obesidade que pudesse fornecer acesso prioritário ao tratamento para indivíduos de alto risco parece bem fundamentada.

Várias maneiras de classificar a obesidade como metabolicamente “saudável” ou “não saudável” têm sido propostas.

No entanto, o uso generalizado dessa classificação foi restringido por controvérsias em torno dos critérios que definem a saúde metabólica, níveis de corte e inclusão de medidas mais complexas da doença (como resistência à insulina ou gordura hepática).

Uma classificação da obesidade baseada na presença de comorbidades e incapacidades como um sistema de estadiamento (semelhante às classificações usadas em oncologia) também foi proposta, por exemplo, o Edmonton Obesity Staging System.

Este sistema é simples e útil para avaliar os riscos e benefícios de diferentes tratamentos da obesidade, mas apresenta algumas limitações como, por exemplo, o parâmetro de “carga psicológica” incluído na classificação não pode ser definido objetivamente.

Algumas associações profissionais sugeriram que o termo “obesidade” deveria ser alterado e que a classificação de excesso de gordura prejudicando a saúde deveria receber terminologias diferentes – como adiposopatia ou doença crônica baseada na adiposidade (ABCD) – mas essas recomendações têm sido usadas apenas em alguns casos. definições.

• Perda de peso de 5%, 10%, 15% ou mais e riscos reduzidos

Mesmo perdas de peso modestas estão associadas a benefícios para a saúde e qualidade de vida.

Diversas diretrizes sobre o tratamento clínico da obesidade indicam que perdas de peso de 5% a 10% são clinicamente significativas e recomendam essa faixa como alvo de tratamento.

Perdas de peso de 3% ou menos estão associadas a benefícios na fertilidade e nos níveis de glicose.

Alguns autores sugeriram que uma perda de peso de 3% pode estar associada a uma menor probabilidade de complicações de doenças infecciosas, incluindo COVID-19.

Quando acima de 5%, a perda de peso tem efeitos significativos sobre marcadores metabólicos (como HDL-colesterol), depressão, dores articulares e função sexual.

Uma meta de perda de peso de 7% foi associada a um menor risco de diabetes tipo 2 no estudo do Diabetes Prevention Program (DPP), no qual cada quilograma perdido foi associado a uma redução de quase 16% no risco de diabetes.

Perdas de peso acima de 10% têm efeitos importantes na esteato-hepatite.

Uma análise post hoc do estudo LOOK AHEAD que avaliou a modificação intensiva do estilo de vida ao longo de 9 anos em indivíduos com diabetes tipo 2 descobriu que os respondedores ao tratamento com uma perda de peso de 10% tiveram uma redução de 21% no desfecho primário de eventos cardiovasculares.

Além disso, uma perda de peso de 11% foi associada a uma redução de quase 23% no tecido adiposo intra-abdominal, confirmando que a perda de peso voluntária tem um efeito desproporcionalmente positivo na deposição de gordura ectópica, que está associada à aterosclerose.

O estudo DiRECT avaliou a remissão do diabetes em indivíduos com diagnóstico recente de diabetes tipo 2 e relatou que as perdas de peso de 10 e 15 kg (cerca de 10% e 15%, respectivamente, do peso inicial dos indivíduos) foram associadas a taxas de remissão do diabetes de 57% e 86%, respectivamente.

Um estudo semelhante do mesmo estudo em que a perda de peso média foi de 14% mostrou normalização da gordura hepática em indivíduos que atingiram a remissão do diabetes e uma redução no escore de risco cardiovascular previsto (QRISK) de 23% para 7%.

Um recente estudo pareado de peso avaliou indivíduos submetidos a bypass gástrico em Y de Roux ou perda de peso induzida por dieta que apresentaram uma perda de peso média de 18% e confirmou que os benefícios metabólicos foram induzidos principalmente pela perda de peso, sugerindo efeitos positivos dramáticos com a perda de peso obtida, embora o IMC final em ambos os grupos tenha permanecido acima de 35 kg/m2.

O mesmo grupo que conduziu o estudo também demonstrou inflamação claramente reduzida com perda de peso acima de 16%.

Esta é a mesma proporção de perda de peso alcançada após 10 anos por indivíduos no braço de gastroplastia com banda vertical no estudo Sueco de Sujeitos Obesos (SOS); esses indivíduos constituíam 70% de toda a coorte e não se esperava que apresentassem efeitos metabólicos além da perda de peso, devido à natureza do procedimento.

Embora o estudo SOS não tenha poder para comparar procedimentos bariátricos, a coorte geral teve uma diminuição substancial na mortalidade geral e um aumento na expectativa de vida com duração de pelo menos 24 anos.

Esses indivíduos tinham um IMC final de aproximadamente 35 kg/m2, indicando que dois indivíduos com o mesmo peso, mas com trajetórias de peso diferentes, podem apresentar riscos gerais totalmente diferentes.

Permanecem dúvidas sobre a existência de um limite específico abaixo do qual os riscos diminuem ou se a perda progressiva de peso está associada a uma diminuição proporcional dos riscos.

Perdas de peso de 16%-20% ou mais raramente são alcançadas a longo prazo com as terapias clínicas atualmente disponíveis.

No entanto, esse cenário pode mudar potencialmente com o desenvolvimento de novas e mais eficazes drogas antiobesidade.

Como tal, a perda de peso clinicamente alcançável tem sido claramente recomendada como objetivo no tratamento da obesidade, e surgiram propostas indicando que a conquista da saúde metabólica em indivíduos com obesidade é o “fruto mais fácil” para o tratamento.

Uma classificação para os indivíduos que são capazes de atingir tais objetivos é imperativa.

Fonte: SBEM e ABESO

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